Princípios Consumeristas

Princípio é na conceituação de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira “a proposição que lhe serve de base, ainda que de modo provisório, e cuja verdade não é questionada” (2001, CD-ROM). Seguindo essa mesma idéia, o professor Rizzato Nunes conceitua princípio jurídico como um enunciado lógico que tem primazia no sistema jurídico, vinculando o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que a ele se conectam. Ele orienta o intérprete no entendimento e na aplicação da lei, funcionando como um vetor.

Diz ainda o ilustre professor, que como as normas jurídicas formam um sistema hierarquizado, deve-se analisar primeiramente as normas constitucionais, para então analisar-se as normas infraconstitucionais.

Calcado nos princípios que regem a defesa do consumidor, e a intervenção protecionista estatal, o artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor estabelece na alínea “d” do inciso II que haverá ação do governo para a efetiva proteção do consumidor “pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho”.

Como seguro, pode-se entender que o produto não deve favorecer ou causar riscos, ameaças ou danos à vida ou à saúde, entendida essa como o bem-estar bio-psico-social. Por adequado, deve-se entender como útil, proveitoso, vantajoso, favorável e decente.

Assim, nos artigos 8º, 9º, 12 do Código de Defesa do Consumidor, estão previstas disposições acerca da segurança dos produtos e serviços, artigos esses que dizem respeito a incolumidade física do consumidor; já nos artigos 18 e seguintes do mesmo Código, as disposições dizem respeito a aspectos patrimoniais do consumidor diretamente ligados aos vícios dos produtos ou serviços contratados.

Zelmo Denari, um dos autores do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, explica que a preocupação do legislador foi a de tutelar o bem mais valioso a ser preservado: a vida do consumidor, posto que produtos e serviços nocivos à saúde ou comprometedores da segurança são responsáveis pela maior parte dos acidentes de consumo que surgiram logo após o advento da produção e do consumo em massa

Mais adiante, completa com o entendimento acerca dos artigos 18 e seguintes do mesmo diploma legal exprimindo que tratam-se de vícios inerentes ao produto, com fundamento diverso da responsabilidade pelo fato do produto e que não se confundem os vícios do produto com os vícios redibitórios da teoria civilista. Argumenta, ainda, que a tutela do consumidor com relação aos vícios do produto é bem maior e mais satisfatória que a tutela quanto aos vícios redibitórios, pois o fornecedor tem a obrigação de colocar produtos no mercado de consumo em perfeitas condições .

O artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor traz oito princípios que regem a Política Nacional de Relações de Consumo, estabelecidos nos incisos I a VIII: o do reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor; o da proteção governamental; o da compatibilização dos interesses dos consumidores e das empresas; o da informação e o da educação de fornecedores e de consumidores; o do incentivo ao controle de qualidade dos produtos e do da instituição de mecanismos alternativos de solução de conflitos; o da coibição e da repressão de abusos no mercado de consumo e no âmbito da concorrência desleal; o da racionalização e da melhoria dos serviços públicos; e, o do estudo constante das modificações no mercado de consumo.

Arruda Alvim entende, que são, em esforço de síntese, seis os princípios fundamentais: da vulnerabilidade; do dever governamental; da garantia de adequação; da boa-fé nas relações de consumo; da informação; e, do acesso à justiça.

O primeiro princípio a ser estudado é o princípio da vulnerabilidade do consumidor. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira conceitua vulnerável como: “[...] 2. Diz-se do lado fraco de um assunto ou de uma questão, ou do ponto pelo qual alguém pode ser atacado ou ferido” (2001, CD-ROM).

Com a evolução dos meios de produção e o conseqüente enriquecimento dos fornecedores, estes adquiriram condições favoráveis para o estabelecimento das regras necessárias ao alcance de seus interesses. Esses fornecedores, em sua maioria, são litigantes habituais. Ou seja, freqüentemente fazem parte de pólos passivos nas ações judiciais. E, tendo eles, em sua maioria, detenção do domínio do mercado com o conseqüente enriquecimento, podem dispor de recursos financeiros para custear despesas judiciais e honorários advocatícios; ao revés, o consumidor final é litigante esporádico, pois nem sempre recorre ao judiciário, e muitas vezes opta por manter-se na situação danosa que recorrer à justiça. Tal aspecto será aduzido adiante ao se tratar do princípio do acesso à justiça.

Assim, tendo o fornecedor um arcabouço jurídico para proteger sua atividade empresarial, o consumidor, em contra partida, quase nada possui. Dessa forma, fica vulnerável aos ditames dos fornecedores, sendo subjugado por suas regras, muitas vezes leoninas.

O Código de Defesa do Consumidor, ao estabelecer o princípio da vulnerabilidade, procurou minimizar as disparidades existentes na relação consumerista. É o que diz o emérito Arruda Alvim: “Isso porque é justamente a inconteste vulnerabilidade do consumidor que enseja, nas ‘sociedades de consumo' um movimento de política jurídica colimando correção jurídica que minimize a disparidade evidenciada no grosso das relações de consumo” (1995, p. 44-45). Mais a frente, esclarece que a vulnerabilidade é independente do grau cultural ou econômico, não sendo considerada presunção legal, dessa forma não admite prova em contrário, sendo qualidade intrínseca e inseparável do consumidor.

José Geraldo Brito Filomeno, partilha do mesmo entendimento quando ensina que o consumidor certamente é aquele que não dispõe de controle sobre os bens de produção e, por conseguinte, deve se submeter ao poder dos titulares destes, concluindo em seguida que, consumidor é, de modo geral, aquele que se submete ao poder de controle dos titulares de bens de produção, isto é, dos empresários.

No âmbito da tutela especial do consumidor, efetivamente, é ele sem dúvida a parte mais fraca, vulnerável, pois leva-se em consideração que os detentores dos meios de produção é quem detêm todo o controle do mercado, ou seja, sobre o que produzir, como produzir e para quem produzir, sem falar-se na fixação de suas margens de lucro .

O princípio do dever governamental é o que está estabelecido nos incisos II, VI e VII do artigo 4º da Lei nº. 8.078/1990. Este princípio estabelece o dever de ingerência do governo no provimento do consumidor de meios para uma efetiva proteção, ingerência esta feita diretamente ou não.

Assim, delineia Arruda Alvim:

 

Esse princípio [...] deve ser entendido sob dois prismas distintos. O primeiro consiste na responsabilidade atribuída ao Estado, enquanto ente máximo organizador da sociedade (inserido aí o poder de polícia), em prover o consumidor dos mecanismos suficientes que propiciem efetiva proteção ao mesmo, seja por iniciativa direta do Estado ([...] – coibição e repressão oficial a abusos), seja através do impulso e amparo oficial a ser dado à entidades representativas dos consumidores [...] ou até mesmo de fornecedores, das mais diversas faixas e interesses nas relações de consumo. [...] (1995, p. 46).

 

E no que se refere à atitude intervencionista do Estado na defesa do consumidor, complementa José Geraldo B. Filomeno, um dos autores do Anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, que o Estado não é somente responsável pelo desenvolvimento de atividades, mas também pela instituição de órgãos públicos de defesa do consumidor e também pelo incentivo a criação de associações civis com a mesma finalidade. No que toca à ação estatal efetiva, deve o ente regular o mercado pela metas de produção a serem atingidas pela iniciativa privada, intervindo nas distorções e zelando pela qualidade, desempenho, segurança e durabilidade dos produtos e serviços oferecidos .

O terceiro princípio elencado por Arruda Alvim é o princípio da garantia de adequação. Segundo sua doutrina, este princípio consiste no: “atendimento das necessidades dos consumidores, com respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da sua qualidade de vida” (1995, p. 46-47). Sob este aspecto, José Geraldo B. Filomeno entende que hodiernamente o conceito de “qualidade” não é mais a adequação às normas que regem a fabricação de determinado produto ou a prestação de um determinado serviço, tão-somente, mas principalmente a satisfação de seus consumidores, tem-se que cabe às próprias empresas o zelar por este tipo de qualidade, até para o seu próprio crescimento .

Outro dos princípios aplicáveis à proteção do consumidor é o princípio da boa-fé. Em nível conceitual, a idéia inicial de boa-fé é a do tratamento realizado com hombridade e de que cada parte receba aquilo que realmente almeja, que cada elemento subjetivo da relação jurídica entenda a expectativa do outro e esteja pronto à atendê-lo da melhor forma possível e honestamente.

Aurélio Buarque de Holanda Ferreira define boa-fé nas seguintes palavras: 1. Certeza de agir com o amparo da lei, ou sem ofensa a ela; 2. Ausência de intenção dolosa; e, 3. Sinceridade, lisura (2001, CD-ROM).

A primeira das definições em epígrafe, é o que mais se aproxima da boa-fé objetiva e os demais colocam a boa-fé em nível conceitual. Com atenção à obra do professor Roberto Senise Lisboa, a boa-fé objetiva é uma regra de conduta a ser seguida pelas partes de acordo com a natureza da relação jurídica .

Comentando acerca do princípio da boa-fé objetiva e contratual, Guilherme Magalhães Martins, tratando da incidência das normas de proteção ao consumidor na formação dos contratos, esclarece que a boa-fé objetiva corresponde a deveres de conduta contratuais, tais como informação correta, lealdade e assistência, que estão dispostos nos artigos 4º, III, e 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor e no artigo 422 do Código Civil. A boa-fé contratual compreende o campo de atuação da boa-fé objetiva, é uma “real expectativa legítima por parte do consumidor” (MARTINS, 2003, p. 132-133).

Não raro, o consumidor pode se deparar com a má-fé nos contratos via Internet quando o fornecedor deixa de descrever adequadamente as características do produto de forma a induzir o consumidor a comprar algo que lhe pareça adequado. Como um exemplo simples, pode-se citar duas situações: na primeira, o fornecedor oferece um micro system em seu site, descreve suas características, porém, deixa de mencionar, ardilosamente, que o aparelho funciona apenas em 110 volts, e o comprador-consumidor, que reside em área onde a voltagem corresponde a 220 volts é induzido a erro na aquisição do aparelho; noutra situação, um palm que é capaz de se conectar ao telefone celular, não traz informações de que a conexão se dá por meio de dispositivo IRda (infravermelho) e o telefone celular do consumidor não possui essa funcionalidade.

São artimanhas utilizadas pelos fornecedores para induzir os consumidores a erro, fazem com que tenham a ilusão de estar comprando um produto que realmente lhe será adequado ou útil, quando na realidade não atenderá suas expectativas. Tais atitudes, por ferirem a boa-fé, naturalmente causam indignação nos consumidores.

A definição de Rizzato Nunes bem se adequa ao exposto. Ele define boa-fé objetiva como “[...] uma regra de conduta, isto é, o dever das partes de agir conforme certos parâmetros de honestidade e lealdade, a fim de se estabelecer o equilíbrio nas relações de consumo”. E mais a frente completa: “Não o equilíbrio econômico [...], mas o equilíbrio das posições contratuais[...]” (2000, p. 108).

Arruda Alvim preleciona que não poderia deixar de tratar deste princípio, que é uma regra geral de comportamento, como aliás, elencou como visto acima, posto que a transparência e harmonia das relações de consumo são o resultado de uma conduta geral de boa-fé que deve ser observada pelo consumidor e pelo fornecedor (1995).

O princípio da transparência, corolário do princípio da informação, determina que na relação consumerista deve haver clareza, lealdade e respeito, sobre os produtos, o conteúdo do contrato, manifestações pré-contratuais e a publicidade (MARTINS, 2003).

O princípio da informação, na lição de Arruda Alvim é o ponto de maior realce do Código do Consumidor e tem como corolário o princípio da educação (1995). Este princípio, estabelecido no artigo 4º, inciso IV, visa a melhoria do mercado de consumo. Primeiramente, porque permite aos participantes da relação de consumo exercerem corretamente seus direitos e cumprir seus deveres. Depois, porque esse princípio compreende também a apresentação de informações acerca da correta utilização dos bens e serviços adquiridos.

Destaque-se que a informação está intimamente ligada ao princípio do acesso à justiça, o qual será exposto a seguir.

É evidente que o primeiro componente a tornar algo acessível, próximo, capaz de ser utilizado, é o conhecimento dos direitos que temos e como utilizá-los. O direito a tais informações é ponto de partida e ao mesmo tempo de chegada para que o acesso à justiça, tal como preconizamos, seja real, alcance a todos.

O princípio do acesso à justiça é o princípio que visa a efetivação dos direitos do consumidor. Este princípio visa o atendimento de uma demanda reprimida, que se dava entre outras razões, pela falta de condições financeiras. Arruda Alvim assim leciona que houve uma necessidade de se conferir efetividade ao processo e facilitação do acesso à justiça fortalecendo o consumidor que é a parte mais fraca da relação jurídica, com a criação de mecanismos processuais para desembaraçar o acesso à justiça (1995).

O Código de Defesa do Consumidor não traçou apenas diretrizes a serem seguidas, mecanismos processuais e princípios norteadores, estabeleceu, também, deveres a serem seguidos para salvaguardar o consumidor.



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